AFINAL O QUE QUEREM OS TRABALHADORES DA BASE?
Há mais de vinte anos que orgulhosamente trabalho para as Forças dos
Estados Unidos estacionadas nos Açores (Feusaçores), vulgarmente referida como Base das Lajes, onde salvo raras excepções
o meu dedicado labor foi sempre compensado por boas condições de trabalho, pagamento atempado e o devido reconhecimento. Claro
que para tal, cumpro escrupulosamente com o meu contrato de trabalho e Regulamento de Trabalho (RT) aplicável, o que de resto
nem sempre é cumprido pela entidade patronal. De facto, é mais frequente do que se possa pensar as FEUSAÇORES violarem deliberadamente
o RT, nalguns casos até de forma escandalosa. A título de exemplo, relembro os despedimentos de 91, o caso dos transportes
em Dezembro de 95 e claro, os processos de aumentos salariais que se vêm repetindo
sistematicamente nos últimos anos.
Embora
arredado destas questões desde há algum tempo a esta parte, não resisto a aqui vir publicamente render a minha homenagem e
total apoio aos colegas que desinteressadamente fazem parte da Comissão Representativa de Trabalhadores (CRT). Não passa despercebido
o enorme esforço que esta CRT tem vindo a fazer no sentido de sensibilizar os responsáveis nesta matéria até ao mais alto
nível. Não se têm furtado a esforços mas trata-se de uma luta inglória, se tivermos em conta por um lado a falta de meios
da CRT e por outro, o desinteresse e quantas vezes o desdém dos nossos governantes e outros responsáveis, concretamente no
que toca a matéria laboral. Acredito mesmo, que os trabalhadores da Base das Lajes não passam de um grande empecilho face
a outros interesses que se levantam.
Não é por acaso que em recentes declarações prestadas pelo Dr. Luís Andrade (representante
do Governo Regional na Comissão Bilateral) à Rádio Difusão Portuguesa em véspera de reunião em Washington, onde se congratulava
com os aumentos dos trabalhadores das Lajes em 2003, relembrando que foram de 2.8%
ou seja, superiores aos da Função Pública. Deste modo, o assunto fica resolvido mesmo antes da reunião, agora só falta
o tal jantar com os colegas americanos na bonita cidade de Washington. E cá estamos, como sempre, a comparar alhos com bugalhos.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que não se trata de números mas sim duma questão legal. Trata-se tão somente do incumprimento
do enunciado no artigo 13º do RT que determina que as FEUSÇORES procederão a uma revisão
anual e ajustarão a remuneração dos trabalhadores com base num inquérito aos salários praticados na ilha Terceira. Não
consta neste artigo ou qualquer outro artigo do RT qualquer referencia implícita ou explicita aos vencimentos ou aumentos
da função pública, das empresas regionais com capitais públicos ou dos políticos por exemplo. Pretende-se tão-somente que
se cumpra o Regulamento de Trabalho, parte integrante do Acordo Laboral e Acordo de Cooperação e Defesa, assinado por Portugal
e os Estados Unidos em Lisboa a 1 de Junho de 1995, aprovado na Assembleia da República a 21 de Junho de 1995 (Resolução da Assembleia da República nº 38/95), assinado pelo presidente da República Dr. Mário Soares em 15
de Setembro de 1995 (Decreto do Presidente da Republica nº 72/95) e referendado
em 20 de Setembro de 1995 pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva. Alguém tem dúvidas de que se trata de lei? Se um funcionário
da Base se apresentasse ao trabalho ás 9h00 e largasse pelas 16h30, alegando que é como na função pública, seria imediatamente
confrontado com um processo disciplinar e eventualmente o despedimento, por violação do seu contrato de trabalho e consequentemente
o Regulamento.
Por outro lado, ainda ninguém percebeu que os vencimentos dos funcionários públicos são pagos do erário público (que de outra maneira não podia ser) enquanto os vencimentos dos trabalhadores das FEUSAÇORES constituem uma entrada
directa de divisas estrangeira para a Região. Somos mesmo muito ricos para desperdiçar coisas destas. Por outro lado, já o
dissemos muitas vezes mesmo, se quiserem equiparar os trabalhadores da Base com os
funcionários públicos, então teríamos que colocar na mesa as 35 horas semanais, as tolerâncias
de ponto, as reformas aos 30 anos de serviço e as pensões de reforma de 100% (com 36
anos de serviço) que os funcionários públicos usufruem ou até aqui usufruíram e os trabalhadores da Base nunca.
Registe-se pelo menos uma nota positiva: é preciso ser-se honesto para fazer declarações deste
teor em vésperas de eleições. Por uma vês pelo menos, há coerência entre as palavras e as acções.
O facto é que para os trabalhadores nada disto é novidade mas os menos informados, podem ser levados a pensar que
os trabalhadores da Base são um bando de privilegiados que passam a vida a reivindicar o que mais ninguém tem.
Estes comportamentos evidenciam o óbvio: A postura de quem tem responsabilidade nestas coisas e consequentemente
fazer cumprir a lei, continua a ser relegar os interesses dos trabalhadores para o fim da lista não por receio do poder negocial
dos Estados Unidos mas sim em favor de outros interesses como a Universidade dos Açores só para citar um exemplo. Não é por
acaso que algumas semanas atrás o Dr. Vasco Garcia em declarações também à RDP se mostrou preocupado com as exigências dos
trabalhadores aquando da deslocação da CRT a Lisboa onde se encontrou com o Ministro da Presidência Morais Sarmento, que também
pediu paciência aos trabalhadores. A Própria Zona Aérea dos Açores, que também
tem responsabilidades no processo de revisão salarial, por diversas vezes se mostrou incomodada com os aumentos dos trabalhadores
da Base.
Sempre foi assim e se nos calarmos, assim será.
João Ormonde
Funcionário
das FEUSAÇORES